domingo, 24 de maio de 2009

Da Escolha de um Projeto de Avançado - parte V

Disciplinas importantes para se tornar um bom físico teórico

Observação empírica número 1: as disciplinas importantes vêm aos pares. (I)

A Física possui três pilares fundamentais:

1 - Mecânica
2 - Termodinâmica
3 - Eletromagnetismo

A partir disso, e utilizando (I), surgem as seguintes disciplinas que não tem como sair do Ciclo Avançado sem saber:

FMT0305 - Mecânica I
FMT0306 - Mecânica II

FMT0308 - Termodinâmica
FMT0401 - Introdução à Mecânica Estatística

FMA0303 - Eletromagnetismo I
FMA0304 - Eletromagnetismo II

A Mecânica é a essência da Física. Houve sempre grandes tentativas de nela fundamentar toda a Física. No entanto, a Mecânica se desdobra em dois limites: o limite das coisas muito rápidas, e o limite das coisas muito pequenas. Usando novamente (I), obtemos então mais quatro disciplinas:

FMT0421 - Relatividade Restrita
FMA0433 - Introdução à Relatividade Geral

FMA0403 - Mecânica Quântica I
FMA0404 - Mecânica Quântica II

Quando você já tiver se acostumado com esses dois desdobramentos, surgirá o momento de considerar coisas ao mesmo tempo rápidas e pequenas. E surgem duas disciplinas de pós-graduação:

[* (pós)] Teoria dos Campos Clássicos [*IF não oferece essa disciplina. IFT oferece]
FMA5827 (pós) - Introdução à Teoria Quântica de Campos I

Para completar, você só precisa saber um pouquinho de Matemática para físicos. Isto é, aprender os nomes de umas funçõezinhas bonitinhas e a resolver meia dúzia de equações diferenciais e problemas que outras pessoas já resolveram. Temos então as duas últimas disciplinas (talvez as primeiras que você precise fazer, entretanto):

FMA0204 - Física Matemática I
FMA0307 - Física Matemática II

Essas disciplinas constituem um pouquinho menos do que a minha grade do Ciclo Avançado. Como disse, é o que preciso fazer, e não acho que tem muito o que mudar nela.

Apenas algumas observações rápidas:

1) As disciplinas de pós talvez você não queira fazer. Afinal, são de pós, não são tão imprescindíveis assim. Você pode fazê-las na pós, oras.

2) Mecânica I e Mecânica Quântica I podem razoavelmente não serem feitas, provavelmente você sabe bastante sobre elas. Mas é realmente bom sabê-las razoavelmente antes de encarar as disciplinas II correspondentes. De Mecânica I alguns resultados você provavelmente desconhece, e serão usados em Mecânica II. Não é um trauma muito grande, entretanto.

3) Eletromagnetismo I, no entanto, acho importante fazer. Acho improvável que se tenha aprendido a resolver problemas escabrosos de potenciais usando harmônicos esféricos ou polinômios de Legendre em Física III do CM.

4) Há pessoas do Bacharelado em Física no IF que fazem o curso de Relatividade Geral antes do Curso de Relatividade Restrita.

A Escolha de um Projeto de Avançado - parte IV

4 - Da Escolha das Disciplinas

Acredito que mais importante do que o Projeto de Iniciação Científica, são as disciplinas que se escolhe estudar durante o Ciclo Avançado. Com o Ciclo Avançado, você está completando a sua formação, e isso é mais importante do que fazer pesquisa, por enquanto. Você precisa se preparar o melhor que puder para fazer pesquisa, mas no futuro.

É muito enganador pensar que o Ciclo Básico ensina o básico de várias áreas do conhecimento, para que se possa escolher uma delas e então fazer pesquisa na área escolhida. Não. Se está sempre estudando o básico. No Ciclo Avançado, se estudará o básico mais avançado. É avançado em termos de graduação, mas básico em relação à pós-graduação, que é onde se começa a fazer pesquisa.

Pelo que observei, há muitos estilos de escolha de disciplinas de avançado, e inúmeros fatores que devem ser levados em conta no momento da escolha.

Estilos

a) Aquele que planeja tudo com anos de antecedência

Este é o meu jeito de ser. As disciplinas que eu iria fazer durante o avançado foram cuidadosamente escolhidas no final de meu Ciclo Básico. Não houve desvios significativos, até agora, no meu caso. Os desvios foram apenas disciplinas que não puderam ser feitas por incompatibilidade de horário, e essas disciplinas acabei estudando por conta própria.

Eu não faço coisas porque gosto, mas porque devo. Eu sabia quais disciplinas eram imprescindíveis para se ser físico e são essas que estou fazendo. Vou falar mais sobre quais são as disciplinas, adiante.

b) Aquele que faz disciplinas porque gosta

É um outro jeito de se viver, que eu acho muito estranho. A disciplina não tem lá muito a ver com o projeto da pessoa, mas ela está lá, fazendo a disciplina. Às vezes me pergunto "por que a pessoa não escolheu outro projeto, então?"

É algo um tanto interessante, de fato. Aproveitar os dois anos para escolher algumas dentre as inúmeras disciplinas da USP que são muito interessantes. Pena que, no meu caso, não sobra tempo para tais disciplinas.

c) Aquele cuja grade não faz sentido algum

Vivendo no estilo (a), minha grade tem lógica, e as disciplinas são feitas numa ordem razoável. Mas quem não planeja com anos de antecedência, ou se deixa levar por motivos emocionais obscuros, é capaz de fazer disciplinas com professores ruins, deixar de fazer disciplinas importantíssimas para a própria formação e o projeto de IC, ou mesmo fazer uma disciplina antes de seu pré-requisito.

Fatores

a) Professor

Vejam pelo lado bom. Agora, ao contrário do Ciclo Básico, há uma pequena chance de escolher o professor. Pelo menos essa chance não é mais nula.

Eu prefiro professores bons e exigentes. Pois professor exigente e ruim é caca feia. É uma questão pessoal decidir se você quer fazer um curso em que você vai ralar, mas aprender bastante, ou pegar um professor que não é tão exigente, e quase certamente aprender menos.

Conheci um cara no IF que dizia que cada professor tem um fator de não sei-o-que (esqueci do que ele chamava esse fator). A idéia basicamente é que cada professor tem um fator, um número; você deve multiplicar a nota que você tirou na prova desse professor por esse número para saber qual a nota que você de fato merecia.

Semestre passado, fiz um curso com um professor (prof. R) que exigia enormemente. Eu ouvira de um veterano, no início do semestre, que aquele professor dava listas de exercício que davam muito trabalho, que se levava uma semana inteira para conseguir fazer. O que ele não me dissera é que ele dava uma lista de exercícios por semana...

Perguntei praquele cara: "Por acaso você sabe o fator do prof. R?"

Ele colocou a mão no queixo, como se estivesse a pensar, e disse: "O fator dele já chegou a ser avaliado, e se não me engano, está por volta de 2,2."

Ele prosseguiu: "Vamos ver se é razoável? Quanto você tirou na prova dele?"

Eu falei: "Quatro".

Ele continuou: "Bem, você tirou 4,0. Multiplica pelo fator, que é 2,2, então isso significa que você merecia 8,8. Tá vendo como o fator funciona?"

Seguindo esse raciocínio, professores com fator 1,0 seriam o ideal. Dica de ouro: antes de se matricular, conheça o fator do professor! Eu só aprendi isso depois do primeiro semestre do avançado...


b) Oferecimento e horários

Essa é a maior dor de cabeça que há quando se está planejando a grade com anos de antecedência. Tem que se ficar vasculhando sites e guias de graduação dos institutos, que não têm padronização alguma uns em relação aos outros, e com sorte descobrir se as disciplinas são oferecidas em anos e semestres pares ou ímpares.

Não há (acho) como montar uma grade e ter 100% de certeza de que poderá cumpri-la. Especialmente em casos como o meu, em que me vi obrigado a pegar disciplinas que são dadas para o IF em semestres diferentes do bacharelado de lá . Pois corre-se então o sério risco de acabar havendo sobreposição de horários. Nesse caso, você não poderá se matricular nas duas disciplinas que têm o mesmo horário, terá de optar por uma delas. O Júpiter simplesmente não permite matrículas com horários sobrepostos.

É, é a parte difícil do Ciclo Avançado. Pois no básico, montaram pra gente horários perfeitos, bonitinhos, certinhos...

Se você realmente precisar de duas disciplinas que estão com incompatibilidade de horário, existem algumas alternativas. 1) Você pode estudar uma delas inteiramente por conta própria. 2) Você pode assistir a uma delas como ouvinte, e no dia em que as aulas se sobrepõem, você terá de decidir a qual aula vai assistir; se tiver sorte de não haver provas das duas disciplinas em um mesmo dia, eventualmente você poderá fazer todas as provas da disciplina que você assiste como ouvinte, e pedir para o professor escrever uma carta com sua nota e freqüência. Isso permitirá a você "guardar" a nota. Em um semestre ou ano posterior, você pode conversar com o próximo professor que vai dar a disciplina e perguntar a ele se ele aceita que você se matricule no curso e que use a nota que havia sido "guardada". Você nunca assistiria à aula desse outro professor, ele simplesmente pegaria a nota da carta e jogaria no Júpiter.

Essa segunda alternativa é um procedimento "in off" que muitos professores fazem, mas só recomendo que você o faça se estiver realmente precisando de créditos no histórico. Para mim, só é relevante que eu saiba ou não alguma coisa, não que ela apareça no meu histórico. Além do que, no meu caso, há créditos transbordando, muito mais do que suficientes para eu me formar... Em outras palavras, o que preciso aprender ultrapassa o que o CM exigiria para que eu me formasse.

c) Horários de novo

Agora este é um aspecto pessoal dos horários. Pois não basta que seja possível assistir a todas as aulas. Mesmo que seja possível, será que seria adequado? Pois muitas de minhas aulas têm precisado ser à noite. Será que é bom sair do IF às 22:50 da quarta, para estar lá de novo às 8:00 da manhã de quinta? Será que é bom ter aulas todos os dias, ou será que é melhor ter um dia sem aulas, para ficar em casa estudando? E se num dia eu tiver aula de manhã e à noite, o que vou ficar fazendo à tarde? Como vou almoçar/jantar e estudar?

São coisas que você precisa pensar sempre que sai o horário para o próximo semestre, no final de cada semestre.

d) Vai haver colegas meus fazendo a disciplina comigo?

Geralmente é bom que você tenha colegas fazendo a mesma disciplina. No meu caso, significa que eu posso não ir às aulas, que eu não entendo nada, pois alguém vai anotar a matéria para mim. :D Pois, lendo um caderno em que as coisas estão anotadas, é muito mais fácil e rápido de se entender!

Isto significa que sua escolha das disciplinas em um semestre fica dificultada, acoplada (para usar a terminologia de sistemas de equações diferenciais) às escolhas dos seus colegas.


A seguir: disciplinas importantes para se tornar um bom físico teórico.

A Escolha de um Projeto de Avançado - parte III

Eu tinha dois professores, o prof. X e o prof. Y, e se quisesse aquele tema teria que escolher um dos dois.

O prof. X falava muito pouco. Resolvi tentar o prof. Y.

Mandei um e-mail para ele. "Pelo que entendi, você está interessado em Iniciação Científica, não? Podemos conversar sim. Venha tal dia e tal horário na minha sala. Seria bom se você podia trazer o seu histórico."

Era algo mais ou menos assim. Ele é americano e sabe que em português há sérios problemas na concordância das coisas.

Há! Eu já tinha o histórico! Aventurei-me, então, a descobrir o que era esse tal de IFT. Me perdi um pouco na Paulista, pois quando ando lá nunca sei se estou do lado de cá ou do lado de lá, nem se estou indo ou vindo. Mas achei a rua Pamplona. Andei um tempão na Pamplona, procurando o número. De repente, depois de ver apenas prédios modernos enormes, encontro uma construção pequena e antiga. "É, deve ser aqui, não?"

O portão estava apenas encostado, de forma que pude abri-lo e entrar. Achei engraçado eu poder entrar assim em um lugar que eu nunca tinha estado antes. Perguntei onde era a sala do prof. Y. Acabei encontrando.

Quando entrei na sala dele, descobri como era o tal mágico professor Y. Roupas simples, sala simples. Conversamos sobre algumas coisas que não lembro, mas sei que durou mais do que 5 minutos.

"No que você está interessado? É Iniciação Científica?" - "Sim." - "Se é Iniciação Científica, tudo bem, eu aceito você como aluno, você tem boas notas." - "OK."

E assim eu saí de lá com um professor orientador.

Nos passos seguintes, ele escreveu o meu projeto, e fizemos o que eu considero a coisa mais importante para o Ciclo Avançado: escolhemos as disciplinas que eu iria estudar.

A seguir: disciplinas importantes para um físico teórico.

domingo, 17 de maio de 2009

A Escolha de um Projeto de Avançado - parte II

Que características se deve procurar em um professor orientador? Acho que isso depende das motivações de cada um. Tem gente que acha indispensável um orientador pai, uma pessoa legal com o qual você possa conversar sobre qualquer coisa e, talvez, se tornar amigo. Outros talvez queiram um orientador rígido, que os faça trabalhar bastante de forma a extrair o máximo de si mesmos. Ou, quem sabe, uma pessoa tranqüila, que não vai te dar muito o que fazer, mas vai te dar 10 no final do semestre.

Naquele mesmo dia, o querido professor disse, enquanto o cachorro mordia, deitado, seu brinquedo-de-morder, que "o orientador é tudo; como fulado disse, o orientador é o upper-bound de onde você pode conseguir chegar".

Várias vezes me vi pensando sobre o quanto isso pode ser verdade, no meu caso. Minha opinião tende para o lado de que talvez a partir do doutorado isso possa ser verdade. Mas, na Iniciação Científica? Minha experiência tem sido de que o professor passa sérios apuros em encontrar algo que você possa estudar, que não seja ininteligível diante do seu quase total desconhecimento de Física*. De modos que, a meu ver, a Iniciação Científica em Física consiste em você estudar uma série de disciplinas e alguns poucos tópicos com o objetivo de torná-lo capaz de estudar um tema no futuro, muito mais do que estudar o tema em si. Tudo bem, você pode estudar seu tema de vez em quando, mas acredite-me: é bem provável que você gaste um bom tempo estudando coisas acessórias até conseguir entender aquele texto que seu orientador te mandou ler... Ou talvez só entenda no ano seguinte, depois de ter feito uma certa disciplina.

É claro, estou exagerando as coisas, mas esse é um ponto importante, e vou discutir * com calma mais tarde. Mas, adiantando: no começo, me vi em séria desvantagem diante dos alunos da Física, que desde o começo estudaram Física de um modo mais correto (a meu ver) , em várias disciplinas boas e ruins, mas sem omitir passagem alguma. Conto apenas minhas experiências, e elas dizem: as coisas fora do CM (o mundo real) tem complicações outras. Eu adoraria dizer que é mais difícil do que o Ciclo Básico do CM, mas isso seria levar para o lado pessoal. As coisas só funcionam diferente: os professores não conhecem você; você não pode negociar datas de provas; se todo mundo foi mal em uma prova, isso é apenas um fato, não vai ser criada uma sub sem mais nem menos para ajudar todo mundo; etc. Me vi em desvantagem em relação aos alunos da Física simplesmente porque eles estavam há dois anos acostumados com tudo isso e eu não. É um choque cultural inevitável quando você foi mimado pelo CM e, de repente, vai parar em um instituto onde as coisas já estavam andando há muito tempo.

Mas voltando à questão do professor orientador. Todo mundo passa pela incômoda fase de se conversar com possíveis orientadores ("modo 2"), ou, antes, com pessoas para indicar possíveis orientadores ("modo 1"). Neste ponto da história, eu já fiz isto, e falta fazer aquilo. É, tem também aqueles professores com o qual você conversa mas não tem intenção especial de fazê-lo seu orientador ("modo 3"). É bom pra fazer você conhecer coisas novas, e te orientar (ou confundir) se você estiver indeciso. Olhando agora, vejo que conversei com muito poucos professores, e esse terceiro caso só ocorreu com pessoas me arrastando, ops, me convidando a ir conversar junto. Acho que não gosto da sensação de conversar, além do que sou muito objetivo. Se eu, por decisão própria, fui conversar com professores, em modo 2, houve sempre, de início, mais de 70% de chance de fazê-lo meu orientador.

Então entrei no site do prof. X. Tem uma foto dele, todo calmo e plácido, diante duma lousa, com fórmulas escritas. Quando vi a foto, pensei na hora: "Olha! Que professor legal!". Mandei um e-mail (aff, como era horrível escrever aquelas coisas) contando a situação e pedindo para agendar um horário para conversar. Ele respondeu brevemente, marcando um horário e acrescentou: "traga o seu histórico".

Achei essa história de histórico no mínimo curiosa, e pensei: "vou pedir para o Ne... ops, secretário, preparar não um, mas dois históricos". O secretário achou estranho: "Pra que você quer dois históricos?" Respondi algo como: "Ah, não, são uns projetos pessoais. Quem sabe eu precise de mais depois."

Fui até o departamento do professor X, e após horas perdido entre avenidas e ruas de corredores, procurando nomes em plaquinhas nas portas, finalmente achei a sala do professor X. Bati, e me mandaram entrar...

A sala era enorme, e tinha uma mesa com um professor no canto. No amplo espaço vazio, dava para umas 10 pessoas fazerem ginástica.

Nos apresentamos brevemente, ele perguntou: "Trouxe o histórico?" Eu: "Sim, aqui." Ele guardou sem nem olhar. Ou melhor, fazendo um forte esforço para lembrar agora, acho que ele olhou só para o alto da primeira página, creio que para verificar se estava escrito "Histórico Escolar".

Ele disse: "Para você saber se vai se interessar por supercordas ou não, a primeira coisa que precisa fazer é ler o livro U, de B. Enquanto você não ler esse livro, não podemos falar em Iniciação Científica. Leia esse livro, e quando tiver passado pelo menos da metade, volte a falar comigo". (Eu só não coloquei o nome do livro porque it would give away the identity of the Professor... Ele fala isso pra todo mundo! Para aqueles que pedirem, digo sem problemas que livro é.)

O que eu poderia responder? "Tá bom." E, um pouco atordoado, sem saber direito o que fazer, me despedi. Devo ter passado uns 5 minutos falando com o professor X.

Fiquei matutando: "Caramba, encontrei um cara igualzinho a mim. Mas caramba, tudo tem limite! Como é que vou passar dois anos com um cara assim tão..."

Fui conversar com um ex-aluno do CM, que, segundo minhas espio... ops, olhadas pela wiki e, mais importante, nos arquivos com livre permissão de acesso há muito tempo esquecidos no apostol e no proccm, tinha feito Iniciação Científica com o professor X. Hoje ele faz doutorado com o professor X.

Reclamei com ele: "Ah, ele me mandou ler um tal de livro U. Você conhece esse livro?" - "Sei. Já vi esse livro, é um livro de divulgação científica. Mas acho esse livro muito chato, nunca consegui ler além das primeiras páginas." - "Passei só uns 5 minutos falando com ele, e ele disse que..." - "Você teve até sorte. É normal dele. Quero dizer, ele já passou 45 minutos discutindo comigo uma única passagem em uma conta que eu tinha feito uma vez, mas nunca tive uma conversa não-acadêmica com ele."

As it turns out, na época achei o livro U muito chato, e não consegui passar das primeiras páginas. Mas, no começo deste ano, li avidamente o livro U, até mesmo em detrimento de coisas que precisava estudar. Achei o livro fantástico, e o recomendo muito. Foi com ele que finalmente entendi a Relatividade Especial. Se A se move em relação a B, B chega à conclusão de que o tempo passa mais devagar para A. E ele está certo. Por outro lado, podemos dizer que B é que se move em relação a A. Nesse caso, A chega à conclusão de que o tempo passa mais devagar para B. E ele está certo. Estão ambos certos, e não há contradição alguma nisso. Também aprendi pela primeira vez que todas as partículas do Universo estão sempre, absolutamente sempre, se movendo à velocidade da luz pelo espaço-tempo (apesar de ter visto isso recentemente no curso de FMT0421 - Relatividade Restrita, esse fato peculiar teria me passado despercebido, não fosse pelo livro, visto que, digamos, os cursos não costumam dar ênfase em certas coisas que não são contas, ou em como contar a história). E também entendi finalmente um negócio que eu não entendia de jeito nenhum: por que raios a quantização resolve a catástrofe ultravioleta. E entendi isso em termos de moedinhas que adultos precisam jogar para crianças em um calabouço. Enfim, é um livro que eu recomendo.


A seguir: o professor Y.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Próximo post

A próxima postagem ocorrerá no dia 17/05.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

A Escolha de um Projeto de Avançado - parte I

OK. Você está terminando o último semestre do Ciclo Básico do Curso de Ciências Moleculares, e chegou a hora de escolher e preparar um Projeto para o Ciclo Avançado. E aí? Como é que se faz isso?

Vou tentar dar algumas dicas e percepções que surgiram de minha própria experiência. Mas lembrem-se que como sou uma pessoa que por acaso escolheu estudar Física e Matemática, fico horas trancado em meu próprio quarto lendo livros (livros mesmo, raramente artigos), ou calculando exaustivamente derivadas e integrais, imerso em uma sopa de letrinhas, na vã esperança de que essas coisas me ensinem algo sobre o mundo. Talvez um outro tipo de pessoa, que passe horas trancada em um laboratório, imersa em substâncias químicas, seres pequenininhos e equipamentos esquisitos, tenha percepções bem diferentes.

1 - Da escolha da Área do Conhecimento

Esta não deve ser uma dúvida muito grande, não é mesmo? Você já entrou em um curso uma vez, depois foi ao CM e teve vários professores de várias diferentes matérias. E também teve a oportunidade de assistir a vários seminários. Dá para ter uma boa idéia do que você gosta ou não gosta, ou do que acha interessante ou não.

Minha única dica aqui é: conheça a sua própria motivação, e leve em consideração as experiências obtidas nas atividades acima na hora de fazer a escolha. Mas se você estiver indeciso e se houver tempo, procure novas experiências. Há pesquisa em coisas que você talvez nem poderia imaginar.

2- Da escolha do Tema do Projeto

Hora de encarar os fatos. Durante todo o Básico, disseram a você o que você tinha de estudar. Agora você vai escolher o que estudar, e essa responsabilidade é assustadora.

Que tema posso escolher? A antiga coordenação do CM disse certa vez que "o céu é o limite", no sentido de que qualquer tema seria possível, desde que fosse algo sério, que exigisse o comprometimento do aluno. Isso entre certos limites me pareceu ser verdade, mas há algumas "limitações técnicas":

a) Existe, no Brasil, um professor que trabalhe com o que você quer estudar?

Você pode pensar na questão mais estranha para estudar, mas como tornar o estudo realidade? O orientador tem um papel razoavelmente importante nisso, então precisa ter alguém que trabalhe, o mais diretamente possível, com o que você quer estudar.

Talvez haja a possibilidade de co-orientação, mas aí você tem de se perguntar como vai conciliar os humores dos dois (ou mais) professores. No meu caso, apesar da minha dominante impressão interna de que precisava estudar algo da Física ou da Matemática, tinha grande interesse em certos tópicos de Filosofia. Cheguei a pensar na possibilidade de um projeto que contivesse as duas coisas. Mas interesse em Filosofia não é algo visto com bons olhos por um Físico sério, de carreira, então sempre tive apreensão em expor isso ao professor Físico. Porém, não tive problemas em falar sobre essa apreensão ao professor Filósofo, que entendia perfeitamente o meu problema. O que ele sugeriu foi que o professor Físico fosse o responsável pelo meu projeto, exclusivamente, e que no entanto não haveria problema algum de eu, em paralelo, conversar com ele quando quisesse, e de um indicar textos para o outro ler. Foi uma solução um tanto legal. No entanto, na prática, estudando avidamente Física e Matemática, em um semestre não tive tempo para ir falar com ele, e neste outro semestre ele está viajando.

b) Qual a relevância da coisa que você quer estudar?

No mundo ideal, o cientista estuda coisas só pelo prazer de aprender e conhecer. Mas existe um outro mundo, de mercado, que não pode ser desconsiderado. Seu projeto de IC talvez seja sua porta de entrada para o mundo acadêmico, então ele pode ter alguma importância quando você for vender a si mesmo. Portanto, o projeto abaixo, ainda que na minha cabeça pareça consistente, necessite de bons conhecimentos de Biologia e Estatística, e demande tempo, soa para mim como irrelevante:

"Você tem um prato de feijão na sua frente. Qual é a probabilidade de, nesse prato, haverem n grãos de feijão que vieram da mesma planta?"

c) Onde está o professor?

Tem gente fazendo IC com uma professora de Minas Gerais. O e-mail facilita muito hoje em dia, mas leve em consideração que mais cedo ou mais tarde você tem de conhecer o professor pessoalmente! E viagens demandam tempo (muito!) e dinheiro.

Na Física, o professor não tem muito o que fazer na IC; você troca umas idéias com ele, e ele basicamente vai te indicar coisas para estudar. E você é que tem que estudar. Mas tenha em mente que, no pior dos casos, é razoável que você converse com seu orientador (no mínimo) uma ou duas vezes por mês. Pra ser sincero, no worst case scenario você tem que contatá-lo uma vez no semestre para ele escrever a carta com o seu desempenho na IC e a sua nota nas disciplinas "Iniciação à Pesquisa". E todas as coisas que vão para a Comissão Coordenadora do CM, ou para órgãos de fomento como a Fapesp, o orientador deve assinar. Considere esse problema logístico, seja para conversar com o professor, seja para levar/trazer papéis burocráticos.

Digo isso pois meu orientador é do IFT, o Instituto de Física Teórica da UNESP, que ficava na Rua Pamplona, travessa da Av. Paulista, e ir da USP à Paulista, muitas vezes pegando trânsito, é muito chato e gasta muito tempo de estudo.


3 - Da Escolha do Professor Orientador

Este tópico está muito relacionado ao tópico 2 acima. Eu não tinha muito idéia do que estudar, então muitas coisas em Física e Matemática teriam me satisfeito. Eu então conversava com meus professores de Física e Matemática do Ciclo Básico.

De certa forma, o tema do meu projeto foi decidido quando conversei com um professor de Física muito querido pelos alunos do CM. Mandei um e-mail para ele, e ele respondeu algo como "estou impossibilitado de ir pra USP, então se você puder vir até minha casa, será melhor". Então, na sala de sua casa, conversamos eu, o professor, e seu grande cachorro.

Conversamos sobre várias coisas. Projeto, Física, mais projeto, professores possíveis, por que raios será que a partícula conhece Matemática para saber que tem que se mover daquele jeito?, será que devo estudar Física ou Matemática?, etc, passando até por Deus e seu projeto do universo.

Mas o fundamental foi: "Ah, mas se eu fosse começar a estudar um ramo da Física hoje, creio que seria Supercordas. Só tem dois caras bons em Supercordas no Brasil, o prof. X e o prof. Y, e se você não conseguir orientação com nenhum dos dois, então o melhor mesmo seria mudar de área".



A seguir: conversando com os professores X e Y.

E mais! o primeiro semestre do Ciclo Avançado, o quanto eu estava despreparado, a necessidade de adaptação a um novo ambiente, horários caóticos, etc. Não percam o próximo capítulo!